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UM CONSELHO QUE NÃO SE VENDE

Historicamente, a cobrança de tributos sempre foi uma ferramenta eficaz de fortalecer exércitos e efetivar novas conquistas. Como se sabe, há muitos personagens e lendas que nascem dessa tensa relação. Conta-se que, na Inglaterra, nos idos de 1.200, um rei chamado Ricardo Coração De Leão, deixou seu povo sendo governado por um parente chamado João Sem Terra, a quem era incumbido de comandar seus exércitos nas cruzadas.

Todavia, enquanto Ricardo viajava em guerra, João Sem Terra aproveitou para formar seu próprio exército, cobrando duas vezes mais tributos. Uma parte do dinheiro ia para sustentar as cruzadas e outra para custear o novo exército de João Sem Terra, que pretendia, com isso, não devolver o trono ao atual rei. E, para o povo, por certo, nada. Da revolta popular contra tanto abuso, surgiu a lenda de Hobin Hood, um herói que roubava dos ricos para dar aos pobres, distribuindo o dinheiro que a nobreza acumulava em seus cofres. 

Nos dias atuais, o ímpeto das Fazendas Públicas e a sanha arrecadatória dos seus administradores devem – ou ao menos deveriam – ter como contrapeso a observância do princípio da confiança legítima em matéria tributária, o qual, nas palavras do Professor Heleno Torres, “pode evidenciar-se pela prática de interpretação ou aplicação da lei pelo mesmo ou por vários contribuintes e que gera a expectativa de confiança em um agir legítimo e conforme a legalidade”. 

Ou seja, é com base nessa - infelizmente combalida - confiança legítima que os Contribuintes depositam nas Administrações Fazendárias, de um modo geral, a esperança de que seus tão suados recursos tenham, pra dizer o mínimo, a destinação que lhes atenda em suas mais comezinhas necessidades.

Ademais, esse mesmo primado, quer nos parecer, é o que também norteia a expectativa de que os órgãos estatais – diga-se, custeados pelos próprios contribuintes – possam funcionar com o mínimo de segurança jurídica, mirando uma solução (também minimamente estável) das controvérsias entre as Administrações Fazendárias e os administrados. 

Nas contendas administrativo-fiscais travadas entre contribuintes e fazenda pública, nas três esferas de governo, invariavelmente a grande oportunidade do administrado em discutir tecnicamente as questões mais intrincadas está, justamente, no âmbito das segundas instâncias, os Conselhos de Contribuintes ou Tribunais Administrativos, órgãos pertencentes aos Poder Executivo e, em âmbito Estadual e Municipal, geralmente vinculados às Secretarias de Fazenda. Em quase sua totalidade, são órgãos colegiados e marcados pela paridade, de modo que os setores público e privado têm igual número de assentos.

Naturalmente, o que se devem esperar, em relação às decisões emanadas por esses Conselhos são, pra dizer o mínimo, estabilidade e definitividade. Todavia, lastimavelmente, o hiato que separa o ideal do cotidiano é abissal.

A Lei Complementar Estadual nº 01 de 02 de agosto de 1972, que disciplina as regras sobre o julgamento de Processo Administrativo Fiscal em segunda instância no Paraná, estabelece em seu artigo 25:

"O recurso à última instância, de decisões não unânimes e contrárias à Fazenda Pública Estadual, cabe ao representante da Fazenda Pública Estadual, no prazo de 15 (quinze) dias contados da data de publicação do acórdão no Diário Oficial do Estado".

Pelo mencionado dispositivo, observa-se de plano que, sendo a decisão do Pleno contrária à Fazenda Pública – mas não unânime - cabe à Representação da Fazenda a opção de recorrer da decisão do Colegiado ao Secretário da Fazenda, como última instância administrativa.

O Decreto n. 12.315 (D.O.E. nº 9.313 de 16/10/2014) estabeleceu uma limitação de alçada para interposição do Recurso Hierárquico de 1.000 UPF/PR (Unidade Padrão Fiscal do Estado do Paraná), R$ 79.900,00 em junho/15. Porém, como as autuações pelo Fisco Paranaense, via de regra, são de grande monta, esse dispositivo pouco fez diferença.

Com efeito, os julgamentos dos Processos Administrativos Fiscais pelo Conselho de Contribuintes do Paraná são analisados e apreciados em duas oportunidades, quais sejam (i) por uma das quatro Câmaras e (ii) ao final pelo Pleno, que é composto pelos julgadores das Câmaras.

Toda a composição do Colegiado, tanto cameral como plenária é paritária, ou seja, os vogais atuam como julgadores representantes do fisco e dos contribuintes, estes indicados em lista tríplice pelas entidades de classe estaduais DO Paraná, a saber: Federação do Comércio (FECOMERCIO), Federação das Empresas de Transporte de Cargas (FETRANSPAR), Federação das Associações Comerciais (FACIAP), Federação das Indústrias (FIEP), Federação da Agricultura (FAEP) e Organização das Cooperativas (OCEPAR). 

Os recursos à terceira instância ou hierárquicos, interpostos pela Representação da Fazenda, têm por finalidade a reforma total ou parcial do julgado do Pleno, caso tenha este concluído, por maioria ou desempate, pela improcedência da medida fiscal lavrada contra o Contribuinte. 

No entanto, tais recursos são apreciados pelo senhor Secretário da Fazenda, após parecer elaborado na maioria das vezes por auditor fiscal designado para esse fim.

Observe-se que existem situações em que a Câmara julgadora reconheceu que o contribuinte tinha razão, opinando pelo cancelamento da exigência fiscal. Na sequência, recorre a parte vencida, no caso a Fazenda Pública, ao Pleno e este apreciando a matéria julgada na Câmara mantém o entendimento Cameral. Ou seja, reconheceu-se, em duas oportunidades, que a medida fiscal foi totalmente improcedente, inclusive em alguns casos com o voto de representante do fisco, existindo, inclusive, situações em que, no julgamento, a Fazenda obteve um único voto.

No entanto, apesar de ambos julgamentos (cameral e plenário) terem reconhecido que a medida fiscal não tinha procedência, determinando o cancelamento da exigência e afastando, destarte, a responsabilidade do contribuinte para com a Fazenda Pública, existem situações em que a Representação da Fazenda, no uso de suas atribuições, interpõe recurso ao Secretário da Fazenda buscando a reforma do julgado do Pleno, sendo acolhida a pretensão fazendária.

O Poder Judiciário, inclusive o Tribunal de Justiça do Paraná, em várias oportunidades, já se manifestou acerca da questão. Em um voto emblemático, o Desembargador Jorge Vargas, com muita categoria, professou:

“A Fazenda Pública Estadual figura como parte perante o Conselho de Contribuintes, que atua como julgador; porém, como parte, só pode ganhar, porque se perder, de parte transforma-se em juiz superior e anula o que o juiz (Conselho) em segundo grau decidiu. Nada mais autoritário”. 

O Tribunal de Justiça do Paraná, em outra oportunidade recente, analisou também a matéria em relação ao Recurso Hierárquico, assim se manifestando: 

“A discussão dos autos gira em torno de verificar a possibilidade de análise, em sede de recurso hierárquico - da decisão administrativa proferida pelo Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais – CCRF.

Primeiramente, deve mencionar a insegurança jurídica que traria a reforma da decisão, tendo em vista que todos os recursos administrativos estariam a mercê da análise do Secretário da Fazenda.


Como bem salientou o Douto procurador às fls. 188: “... no caso em exame, é impossível o Secretário de Estado da Fazenda, por questões de política fiscal, reformar o mérito da decisão colegiada proferida pelo CCRF, servindo o recurso hierárquico tão somente para análise e supervisão aos atos administrativos viciados, acompanhados de nulidade flagrantes que prejudicam o bom andamento do processo administrativo.” Ressalta-se que a Administração poderá reaver seus atos, desde que sejam viciados de nulidade...”

No entanto, numa flagrante ofensa à estabilidade e à mencionada confiança legítima, foram publicados em vários Diários Oficiais do Estado (nº. 9461 de 28/05/15; nº. 9464 de 02/06/15; nº. 9465 de 03/06/15, entre outros) decisões em mais de 70 (setenta) Recursos Hierárquicos apreciados pela Fazenda Estadual, deploravelmente TODOS reformando as decisões do Pleno do Conselho de Contribuintes, algumas com recursos interpostos há mais de quatro anos que o contribuinte aguarda uma resposta da Administração. 

Como se disse, todas essas decisões hierárquicas, sem exceção, foram no sentido de reformar a decisão do Colegiado, ou seja, foi restabelecida a exigência fiscal, tendo, inclusive, situações em que a Administração Fazendária já havia anteriormente se manifestado sobre a mesma matéria de direito e reconhecido como correto o julgamento do Conselho de Contribuintes. E mais, em nenhum dos casos se verificaram vícios e nulidades ocorridos no processo administrativo fiscal, condição única que poderia ensejar o manejo dos famigerados recursos hierárquicos, indo de encontro, então, ao entendimento já consolidado pelos Tribunais Pátrios.

Inclusive, pasmem, em decisões emitidas no final de 2014 (D.O.E. n. 9357 de 18-12-14 e n. 9361 de 29-12-14), a própria Secretaria da Fazenda do Estado do Paraná já havia julgado alguns recursos hierárquicos em favor dos contribuintes de matérias rigorosamente idênticas àquelas indicadas acima, estas que tomaram, surpreendentemente, direção oposta, sem nenhuma razão jurídica para tanto.

Diante disso, se questiona: qual seria o motivo da mudança de entendimento? Já que a matéria não sofreu qualquer modificação, inclusive no Judiciário. 

Com todo o respeito, pode mudar o Administrador, mas Administração Pública é a mesma, sob pena de quebra da segurança jurídica, já que o contribuinte não pode estar inseguro em relação a seus investimentos, com eventuais interpretações isoladas.

Dos 27 Estados da Federação, incluindo o Distrito Federal, apenas 7 mantêm em suas legislações o Recurso Hierárquico (como apelo à terceira instância de julgamento no âmbito do contencioso administrativo tributário), havendo, inclusive, propostas de sua extinção no projeto do Código de Defesa do Contribuinte em tramitação na Câmara Federal.

Recentemente, em maio do corrente ano, na posse do novo Presidente do Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais do Paraná (CCRF) e dos Conselheiros dos setores público e privado, o Senhor Secretário da Fazenda, após ter conhecimento dos valores do crédito tributário pendentes e aguardando julgamento, manifestou no sentido de solicitar agilidade na apreciação dos processos e recomendou aos julgadores que fossem imparciais na análise dos lançamentos, sendo que, caso o contribuinte tivesse razão, fosse de imediato cancelada a exigência, com a eliminação do passivo pendente do contribuinte. Em contrapartida, se devido o tributo, fosse imediatamente colocado o débito à disposição da Fazenda para obter os recursos financeiros inerentes.

No entanto, pelo que se viu, a determinação emanada pela autoridade máxima da Fazenda Estadual desse Estado recomendando imparcialidade no que toca às exigências fiscais apreciadas pelo Pleno do Colegiado, sequer foi seguida pelo próprio Senhor Secretário, basta verificar a quantidade de Decisões Hierárquicas (mais de 70...), reformando o que foi decidido pelo Conselho de Contribuintes. 

Cabe neste ponto uma indagação: será que em todas essas Decisões do Pleno, realmente os contribuintes estavam errados? Pois todas que foram apreciadas, foram reformadas pelo Hierárquico. 

Se realmente isto for procedente, cabe outra pergunta: valeria a pena manter o funcionamento do Conselho de Contribuintes, com toda a sua estrutura? Não seria mais econômico – e mais confiável - tanto para o Contribuinte como para Administração Pública, extinguir os Tribunais Administrativos e especialmente o nosso Conselho do Paraná? Indiscutivelmente, permitir que as decisões emanadas por um órgão técnico, em exercício contínuo há mais de 40 (quarenta) anos, em sentenças colegiadas, possam ser banalizadamente desfeitas por uma deliberação política, monocrática, com interesses eminentemente arrecadatórios, certamente seria permitirmos o sepultamento da tão propalada confiança legítima que o cidadão-contribuinte deposita em seus administradores. 

E o que será mais grave – e provavelmente a Procuradoria do Estado tem custado a enxergar - estes julgados do Colegiado que foram reformados pelos Hierárquicos certamente irão desaguar no judiciário, com a inscrição do débito em Dívida Ativa, fazendo com que o contribuinte, para que possa discutir a validade do julgamento tenha que desembolsar valores até superiores aos dos créditos tributários em apreço, ou dar bens em garantia para discutir a pretensão fiscal. No entanto, muitos casos poderiam – e deveriam - ter sido finalizados nos Conselhos de Contribuintes. Ou seja, mais e mais congestionamento das vias judiciais.

Vale destacar que a administração pública do Paraná, preocupada com os encargos - especialmente de sucumbência - advindos de julgamentos desfavoráveis nos Processos Administrativos Fiscais na esfera judicial, editou em 22 de dezembro de 2.000 a Lei nº. 13.023, que em seu art. 7º, acrescentou a letra “d” ao inciso, XIV, art. 56, da Lei nº. 11.580/96 que trata do Processo Administrativo Fiscal de Instrução Contraditória, ao dispor que “os créditos tributários serão cancelados, com observância do disposto em decreto do Poder Executivo, no caso de o Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais ter proferido decisão final e irreformável, por mais de uma vez, sobre a mesma matéria, de forma favorável ao mesmo sujeito passivo da obrigação tributária, comprovado por certidão do referido órgão”.

O Decreto editado para esta finalidade foi o nº 3.341/2000 (DOE de 28.12.2000). Este procedimento vigeu até 28 de dezembro de 2005, quando foi revogado pela Lei 14.979.

Como se pode ver, administração sempre deve estar imbuída na obtenção de baixo custo, quer para o fisco, quer para o contribuinte, especialmente na escassez de recursos que nos encontramos. Essa é a mensagem contida no Código Paranaense de Defesa do Contribuinte (Lei Complementar n. 107/2005) nos seguintes dispositivos:

“A administração tributária deve ser de baixo custo, quer para o fisco, quer para o contribuinte” (Art. 2º, § 2º);

“Administração Fazendária, no desempenho de suas atribuições, pautará sua atuação de forma a impor o menor ônus possível aos contribuintes.” (Art. 27, “caput”).


Assim, pode-se concluir que a expedição de inúmeras decisões monocráticas, baseadas unicamente nas razões trazidas pela Fazenda, que levou o senhor Secretário da Fazenda acolhê-las, sem uma minudente análise das contrarrazões, com todo o respeito, andou na contramão dos discursos e no fundamento da essência da coisa pública.

Por:

Gerson Tarosso, Advogado, Sócio do Escritório Tarosso Advogados Associados, Conselheiro e ex-presidente do Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais do Estado do Paraná, ex Auditor Fiscal e Delegado da Receita Estadual, membro do Instituto de Direito Tributário (IDT-PR).

Fabriccio Petreli Tarosso, Advogado, Sócio do Escritório Tarosso Advogados Associados. Professor em Direito Tributário, especialmente com atuação no Processo Administrativo Fiscal. Membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná (IDT-PR) e da Comissão de Direito Tributário da OAB-PR.
 

ICMS – IMPORTAÇÃO POR NÃO CONTRIBUINTE APÓS A EC.33/01.

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Na importação por não contribuição fiscal após a Emenda Constitucional n. 33 de 11.12.01, continua não incidindo no ICMS.

Um breve retrospecto da legislação.

Até o advento da CE. 33/01, Constituição Federal / 88, inciso IX, § 2º do art. 155, assim disciplinava a matéria:

"Arte. 155. (...)
§ 2º (...)
 IX - incide também:
a) sobre a entrada de mercadorias importadas para o exterior, ainda quando se trata de tratar bem o consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo ou imposto ao Estado onde está situado ou estabelecido como destinatário do produto ou serviço ”.

Após a Emenda Constitucional 33 de 11 de dezembro de 2001 (Publicada no Diário Oficial da União de 12 de dezembro de 2001) ou o texto constitucional passou assim: 

“Art. 155. (...)
§ 2º(...)
IX - incidirá também:
“Sobre a entrada de
bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”. (grifamos as inovações da E.C. 33/01).

Note-se que a EC 33/01 não trouxe nenhuma exceção à regra do art. 146. III, “a” da CF/88, que determina a necessidade de edição de lei complementar para definir o fato jurídico tributário, base de cálculo e os contribuintes que serão abrangidos pelo novo campo de incidência. 

Citado dispositivo constitucional afasta de plano, em nosso ver, a possibilidade da Emenda Constitucional n.º. 33/01 ser auto-aplicável, sem a edição de Lei Complementar. E mais, ainda que se pudesse desobrigar a edição da L.C., seria plenamente indispensável a previsão de Lei Ordinária Estadual, para que cada ente Federativo pudesse cobrar o ICMS sobre a importação de bens destinados a não contribuintes, nos termos da EC 33/01.

Assim, em obediência ao texto constitucional, em 16 de dezembro de 2002 (produzindo efeitos a partir de 17/12/02, mais de um ano, portanto, após à publicação da Emenda n.º 33), foi editada a Lei Complementar n.º 114, que teve por ofício alterar o inciso I do § 1º do art. 2º da Lei Complementar 87/96, com a seguinte redação:

“Art. 2°(...)

§ 1º O imposto incide também:
I – sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade”.

Salta aos olhos que, mesmo após a edição da EC 33/01, a redação da LC 87/96 permaneceu inalterada até a entrada em vigor da LC 114/02, num interstício temporal que, repita-se, superou um ano. Obviamente que nesse período o imposto no que tange à importação, permaneceu sob regência da redação primitiva da LC 87/96, não havendo previsão, portanto, para que o imposto estadual houvesse incidido sobre bens importados por contribuintes não habituais, mandamento trazido pela referida Emenda Constitucional, mas apenas sobre mercadorias importadas por contribuintes, por intermédio de seus estabelecimentos comerciais. 

Como mencionado, para que os Estados possam cobrar o imposto incidente sobre a importação de bens por não contribuintes, é necessária a edição de Lei Ordinária Estadual, uma vez que, como dito anteriormente, à Constituição não é dada a possibilidade de instituir tributos, mas sim de delegar a competência para sua instituição. E mais, em respeito ao princípio da anterioridade, o imposto só poderia ser exigido pelos Estados no exercício seguinte ao que fosse publicada a lei estadual.

Como expressado, a Emenda à Constituição não é auto-aplicável, de modo que, nos exatos termos do inciso XII, §2o., art. 155 da CF/88, deve a lei complementar, posteriormente à EC, definir entre outras situações os contribuintes do tributo estadual que serão abrangidos pela nova incidência.

Parece-nos claro também que, mesmo após a edição da Lei Complementar, para os Estados cobrarem o imposto sobre a importação de bens por não contribuinte que ora se esboça nos termos da EC 33/01, é indispensável a previsão de Lei Ordinária Estadual. 

Sobre a matéria em comento o Tribunal de Justiça de Minas Gerais assim se manifestou:

“A Emenda Constitucional n. 33, de 11 de dezembro de 2001, alterou o art. 155, §2o, IX, “a” da Constituição Federal da Republica e admitiu a incidência de ICMS na importação promovida por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto.
Nos termos do art. 146, III, “a”, da Constituição Federal cabe à lei complementar definir o fato gerador, a base de cálculo e os contribuintes dos impostos.
A definição, na espécie, deu-se pela Lei Complementar 114, de 16 de dezembro de 2002.
No âmbito do Estado de Minas Gerais, a legislação somente foi adaptada em 06 de agosto de 2003, por meio da Lei Estadual n. 14.699 (f. 82/83-TJ).
Portanto, no caso, quando da ocorrência do fato gerador, em 20 de novembro de 2002 (f. 55/58-TJ) não havia norma regulamentadora dispondo sobre a incidência do ICMS na operação que ensejou a autuação fiscal impugnada”(TJMG. Rel. Rômulo Moreira Torres. 4a., Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0024.05.579966-2/001. Publ. 04.10.2005).

No Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça também entendeu pela necessidade de disciplinar a matéria por Lei Ordinária, como se vê:

EMENTA:  APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. IMPORTAÇÃO DE BENS. PESSOA JURÍDICA. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 33/01. O novo Texto Constitucional decorrente da Emenda Constitucional nº 33/01 é claro ao dispor que o fato gerador do imposto (ICMS) ocorre na importação da mercadoria do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado ao consumo ou ativo fixo do estabelecimento. No Estado do Rio Grande do Sul, a legislação que regulamenta o imposto é a Lei Estadual nº 8.820/89. Entretanto, tal lei, na parte referente a matéria em questão, acabou por tornar-se inconstitucional, uma vez que editada à época em que era proibida a cobrança do ICMS, ou seja, antes da Emenda Constitucional nº 33/01. Desse modo, não havendo, até então, adaptação da citada lei às novas regras, e sendo impossível a sua constitucionalização, tem-se como inexistente norma local a permitir a incidência concreta da exação tributária. Apelo provido. (Apelação Cível Nº 70018692277, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Armando Bezerra Campos, Julgado em 19/12/2007).

No Estado do Paraná, uma situação atípica despontou após o advento da L.C. 114/02, promulgada em 16/12/02 (repita-se, mais de um ano após a publicação da Emenda 33) que teve como alvo modificar a L.C. 87/96, no que diz respeito à incidência do imposto na importação. 

Apenas em 14 de maio de 2003 foi editada a Lei Estadual n.º. 14.050, dando nova redação ao art. 2º, § 1º, inciso I, da Lei 11.580/96 - para então introduzir a possibilidade da cobrança do imposto na importação de não contribuinte, com a seguinte redação:

“Art. 2º (...)

§ 1º - O imposto incide também:
I – sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja sua finalidade.” (grifamos as inovações).

Não obstante o lapso temporal de quase cinco meses entre a edição das citadas leis – L.C. 114/02 e a Lei Estadual 14.050 de 14.05.03 – esta última em desrespeito aos princípios da anterioridade e da irretroatividade determinou, no art. 2º, que seus efeitos fossem produzidos a partir de 17/12/02. 

Se não bastasse tudo isso, a matéria foi disciplinada pelo Decreto 5.375 de 01.03.02 e incorporado no RICMS-PR, vigente a época (Decreto 5141/01), também com efeito retroativo a 01.01.02. 

Assim, somente com o advento da Lei 14.050/03 é que houve previsão (legal) para a cobrança do ICMS no Paraná alcançando as importações de bens realizados por não contribuintes do imposto. 

Todavia, é imprescindível destacar que, em respeito aos princípios constitucionais da anterioridade e da segurança jurídica, a exigência do imposto nas hipóteses elencadas (nova categoria de contribuinte e aumento da carga tributária), só poderia ocorrer a partir de 01 de janeiro de 2004, em obediência a letra “b”, inciso III, do art.150 da CF/88. 

Neste sentido foi o entendimento do Pleno do Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais, como se vê do seguinte julgado que tive a oportunidade de ser o relator:

“ICMS - Importação de mercadoria por não contribuinte do imposto após a Emenda Constitucional n. 33. Eficácia pendente de edição das Leis Complementar e Ordinária.

O imposto incidente nas importações realizadas por pessoa física ou por não contribuinte do tributo estadual, só passou a ser devido após o primeiro dia do exercício seguinte a vigência da Lei Estadual n. 14050 de 14.05.03, com espeque no princípio da anterioridade previsto no inciso III, art.150 da Constituição Federal/88.

Recurso de Reconsideração da Fazenda conhecido e não provido por unanimidade.” (Acórdão n. 2690/04 do PLENO, publicado no D.O.E. n. 6955 de 19.04.05).


No sentido de pacificar a discussão da matéria, mesmo antes da Emenda Constitucional 33, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula 660.

Na sessão de julgamento do plenário do STF realizada em 26/11/2003, o Ministro Sepúlveda Pertence sugeriu a alteração do Enunciado da Súmula nº 660, para que passasse a vigorar nos seguintes termos: "Até a vigência da EC 33/2001, não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto." 

O Tribunal concordou em reavaliar o assunto e o Diário da Justiça da União (DJU) chegou a publicar uma retificação da aludida redação na edição de 5/8/2004, dando a impressão de que a ressalva temporal havia sido aprovada pela Corte Suprema. 

Contudo, no Informativo do STF nº 422, de 3 a 7 de abril de 2006 (paginação interna de 12 de abril de 2006), foi publicado o seguinte informe, ipsis litteris: 

"Enunciado da Súmula 660 do STF: Republicação. 
Informamos que, em razão de o Tribunal, na sessão plenária de 26.11.2003, ter recusado a proposta de alteração da Súmula 660, constante do Adendo nº 7, foi republicado o respectivo enunciado nos Diários da Justiça dos dias 28.3.2006, 29.3.2006 e 30.3.2006, com o teor aprovado na sessão plenária de 24.9.2003: "
Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto". Fica, portanto, substituída, nesses termos, a notícia veiculada pelo Informativo 331 quanto ao referido verbete." 

Restou esclarecido que o Plenário do STF não concordou em alterar o Enunciado da Súmula nº. 660, permanecendo válida a redação original: "Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto." 

Ao analisar os dois precedentes que motivaram o enunciado (RE nº 203.075-9/DF e RE nº 185.789-7/SP), os Ministros do STF destacaram e repetiram a importância de o importador ser contribuinte do ICMS para permitir a sua incidência. 

Em outras palavras, a incidência do ICMS na importação está condicionada, entre outras razões, à necessidade de se observar a condição mercantilista do importador, de modo a possibilitar que o princípio da não-cumulatividade seja efetivado. 

A matéria após uma CE. 33/01 ainda não foi analisado pela Suprema Corte. O STJ, apreciador ou julgado julgado no Rio Grande do Sul, confirmou que não recebeu ICMS na importação de um aparelho de radioterapia para uma clínica oncológica, sob o fundamento de inexistência da Lei Ordinária após uma EC. 33/01, pode ter aberto, assim, um precedente para toda a matéria a ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal. O que pode ser indicado para uma Súmula 660 continua vigiando.

Por Gerson Tarosso , Advogado, Sócio do Escritório Tarosso Advogados Associados, Conselheiro e Ex-Presidente do Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais do Estado do Paraná, Ex Auditor Fiscal e Delegado da Receita Estadual, Membro do Instituto de Direito Tributário (IDT-PR) .

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