ICMS – GUERRA FISCAL – OS DOIS LADOS NA CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS

A partir do CF / 88, com autonomia e independência que a Carta Magna concedeu aos Estados e Distrito Federal, iniciou uma corrida real em busca de empreendimentos e expansão de parques industriais e incentivos ao comércio e agroindústria, com uma tarifa de benefícios fiscais de todo ordem.

Enquanto os benefícios fiscais eram concedidos nas operações internas, não havia nenhum conflito representativo com os demais Estados da Federação, pois era uma unidade própria federal que apoiava ou tributava. Mas os estados passaram a conceder benefícios fiscais, inclusive em operações adicionais.

Foi quando todos os contratos de concessão de benefícios celebrados, em face do princípio de não cumulatividade do ICMS, foram pagos ou impostos dispensados ​​na origem de um título de benefício que passou a não ser reconhecido como crédito pelo estado de destino das vendas.

A CF/88 estabelece que qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, crédito presumido, inclusive anistia e remissão, só poderá ser concedido mediante lei específica do ente tributante, sem prejuízo da concordância unânime de todos os estados, nos termos da Lei Complementar 24 de 08 de janeiro de 2005.

O Supremo Tribunal Federal já reconheceu que a mencionada Lei Complementar foi recepcionada pela CF/88, embora tenha sido editada na vigência da CF/67, alterada pela EC/69, portanto quando vigia outro regime jurídico tributário, em que a União poderia em determinadas situações, conceder isenção de tributo estadual, hoje vedada. Também deve se destacar que o regime constitucional anterior (§ 6º, art. 23 da Carta de 1967), previa apenas a concessão de isenção, não mencionava qualquer outro benefício, hoje em discussão.

Mas este não é o momento para discutir se a Lei Complementar 24 extrapolou o comando do texto constitucional vigente à época.

A discussão centra agora, nos efeitos dos benefícios fiscais concedidos sem a observância do disposto no §6º, do art. 150, da CF/88, que exige lei específica do entre tributante e a concordância unânime dos Estados para concessão do benefício fiscal.  

Hoje, pode-se dizer que existe um clima de insegurança jurídica, tanto para quem recebeu o benefício fiscal, como para aqueles contribuintes que adquiriram mercadorias em que houve a concessão de benefício na operação anterior. A moeda tem duas faces.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal, apreciou 14 ADINs, das mais de trinta ações declaratórias pendentes de julgamento, considerando inconstitucional a concessão dos benefícios fiscais concedidos pelos Estados de SP, PR, RJ, DF, ES, MS e PA, fato suficiente para colocar em pânico todos os contribuintes envolvidos direta ou indiretamente na concessão dos benefícios e na utilização dos créditos dos adquirentes das mercadorias situados em outra unidade federada.

Aqueles que receberam o beneplácito do benefício fiscal, com o reconhecimento da inconstitucionalidade na concessão do benefício, podem a qualquer momento ser chamados pelo ente tributante a satisfazer o que foi dispensado, juntamente com os acessórios. Noticia-se que os valores dispensados, envolvendo esta matéria, representam um montante de 250 bilhões de reais, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário.

Embora se entenda que a responsabilidade seja exclusiva do ente público nos termos do § 6º, art. 37 da CF/88, isto porque as empresas usufruíram de um benefício concedido pelo Poder Público. Sendo assim, se este não observou os requisitos legais para a concessão do benefício, obviamente é o ente tributante quem deve responder por seus atos, estando sujeito inclusive, a autoridade concedente, a responder por improbidade administrativa e inobservância da Lei de Responsabilidade Fiscal. 

E mais, o sujeito passivo que agiu em conformidade com a legislação do Estado concedente do benefício não deve temer, pois vige no sistema do Direito Brasileiro o princípio da presunção de constitucionalidade das leis. Ou seja, enquanto não declarada a ineficácia da norma que outorgou o benefício, esta permanece válida para todos os efeitos. Do que se extrai que, se eventualmente algum estado pretender buscar o que foi dispensado, provavelmente a matéria vai desaguar no judiciário.

Em relação aos contribuintes que adquiriram mercadorias em operação interestadual, estes estão, a nosso ver, em situação mais confortável, pois de qualquer lado que se olha, o direito ao crédito pela aquisição dos produtos está garantido pela observância do princípio da não cumulatividade. 

Se julgada inconstitucional a concessão do benefício, como já aconteceu, significa que o imposto dispensado no estado de origem deve ser satisfeito ou resolvido de qualquer outra forma, sem qualquer reflexo aos adquirentes dos produtos. E, do contrário, se o STF entender que o tributo é constitucional, ou seja, que o benefício concedido no estado de origem, mesmo sem anuência dos demais estados, não feriu a norma constitucional, também o direito ao crédito pela aquisição dos produtos, pelo destinatário situado em outro estado, está garantido.

O Superior Tribunal de Justiça, já teve a oportunidade de analisar a matéria em várias oportunidades, assim se posicionando:

“TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. OPERAÇÃO INTERESTADUAL. CONCESSÃO DE CRÉDITO PRESUMIDO AO FORNECEDOR NA ORIGEM. PRETENSÃO DO ESTADO DE DESTINO DE LIMITAR O CREDITAMENTO DO IMPOSTO AO VALOR EFETIVAMENTE PAGO NA ORIGEM. DESCONSIDERAÇÃO DO BENEFÍCIO FISCAL CONCEDIDO. IMPOSSIBILIDADE. COMPENSAÇÃO. LEI. AUTORIZAÇÃO. AUSÊNCIA.

(...)
4. O benefício de crédito presumido não impede o creditamento pela entrada nem impõe o estorno do crédito já escriturado quando da saída da mercadoria, pois tanto a CF/88 (art. 155, § 2º, II) quanto a LC 87/96 (art. 20, § 1º) somente restringem o direito de crédito quando há isenção ou não-tributação na entrada ou na saída, o que deve ser interpretado restritivamente. Dessa feita, o creditamento do ICMS em regime de não-cumulatividade prescinde do efetivo recolhimento na etapa anterior, bastando que haja a incidência tributária.

5. Se outro Estado da Federação concede benefícios fiscais de ICMS, sem a observância das regras da LC 24/75 e sem autorização do CONFAZ, cabe ao Estado lesado obter junto ao Supremo, por meio de ADIn, a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo de outro Estado – como alias foi feito pelos Estados de São Paulo e Amazonas nos precedentes citados pela Ministra Eliana Calmon – e não simplesmente autuar os contribuintes sediados em seu território. Vide ainda: ADI 3312, Rel. Min. Eros Grau. DJ 09.03.07 e ADI 3389/MC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 23.06.06)”. 

“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. OPERAÇÃO INTERESTADUAL. REDUÇÃO DO DESCONTO DA ALÍQUOTA INTERESTADUAL (ICMS/ST) PELO ESTADO DE DESTINO EM FACE DE INCENTIVO FISCAL CRÉDITO PRESUMIDO) CONCEDIDO PELO ESTADO DE ORIGEM. IMPOSSIBLIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 8º. § 5º, DA LEI 87/96. RETENÇÃO DAS MERCADORIAS COMO FORMA DE COERÇÃO AO RECOLHIMENTO DE TRIBUTO INDEVIDO. NÃO CABIMENTO DIREITO LÍQUIDO E CERTO EVIDENCIADO.

(...)

7. A hipótese de creditamento difere substancialmente dos caos de isenção ou não-incidência, pois nessas situações não há, de fato, “imposto devido”.

8. Assim, constatado que o benefício fiscal concedido pelo estado de origem não altera o cálculo do imposto, mas, apenas, resulta em recolhimento a menor em face da concessão de crédito presumido, deve ser descontado o percentual de 12% do ICMS/ST devido ao estado destinatário. Pensar diferente resultaria, no caso concreto, na impossibilidade de o estado de destino em prejuízo ao contribuinte apropriar-se da totalidade do incentivo fiscal concedido pelo estado de origem, tornando-o sem efeito, situação essa que conspira contra a autonomia fiscal dos entes federados, que só pode ser regulada por norma de caráter nacional”. 


O Supremo Tribunal Federal, recentemente (21.06.2010), em medida liminar concedida no Agravo Regimental na Ação Cautelar nº. 2611 – Rel. Min. Ellen Gracie, assim se manifestou.

“(...)

Há forte fundamento de direito na alegação de que o Estado de destino da mercadoria não pode restringir ou glosar a apropriação de créditos de ICMS quando destacados os 12% na operação interestadual, ainda que o Estado de origem tenha concedido crédito presumido ao estabelecimento lá situado, reduzindo, assim, na prática o impacto da tributação.

Não é dado ao Estado de destino, mediante glosa a apropriação de créditos nas operações interestaduais, negar efeitos aos créditos apropriados pelos contribuintes”.

O reconhecimento do benefício fiscal na origem traz também outros reflexos, diretos ou indiretos, em relação ao destinatário das mercadorias, tais como; (i) cancelamento de medidas fiscais tomadas pela concessão irregular do benefício; (ii) cancelamento de eventual débito inscrito em dívida ativa ainda não executada; (iii) extinção de ação de execução fiscal interposta em razão da utilização do benefício e (iv) a possibilidade de até obter a devolução de valores recolhidos em razão do reconhecimento do benefício. 

É de se registrar que, em atendimento ao comando contido no art. 28, parágrafo único da Lei Federal 9.868/99, o STF pode, ainda, modular os efeitos concretos da declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos hostilizados nas referidas ADINs.

Outro reflexo indireto na concessão dos benefícios está ligado à distribuição da parcela do Fundo de Participação dos Municípios, prevista no inciso IV, art. 158, da CF/88, como tem se pronunciado o STF no Recurso Extraordinário nº 572.762-9. 

Assim, em razão deste quadro de insegurança jurídica, os empreendimentos não estão acontecendo como antes. Os empresários não sabem o que pode acontecer amanhã e os adquirentes das mercadorias, estão apreensivos e incertos em relação à utilização do crédito incidente na operação, pois na maioria das situações não é possível saber antecipadamente se o vendedor se valeu de algum benefício. Isto porque, no documento fiscal o imposto vem destacado com a alíquota devida da operação. Finalmente, deve se levar em conta, que o encargo tributário tem reflexo direto no custo da mercadoria, não podendo, portanto, o contribuinte ser surpreendido futuramente. 

Por Gerson Tarosso, Advogado, Sócio do Escritório Tarosso Advogados Associados, Conselheiro e ex-presidente do Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais do Estado do Paraná, ex Auditor Fiscal e Delegado da Receita Estadual, membro do Instituto de Direito Tributário (IDT-PR).
 

1 Recurso em Mandado de Segurança nº. 31.714-MT (2010 / 0044507-3) - Rel. Min. Castro Meira em 03.05.2011) Fornecido por maioria.

2 Recurso Especial nº. 1.125.188 - MT (2009 / 0034293-3) Rel. Ministro Benedito Gonçalves em 18.05.2010) Fornecido por unanimidade.

3 Ao declarar inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de interesse social excepcional, poderá obter o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos de declaração ou decidir que ela só tenha a eficácia de partir do seu trânsito em julgado ou outro momento que venha a ser corrigido.

4 Município de Timbó -SC. Rel. Min. Ricardo Levandowski - Julg. 18.06.2008


É INCONSTITUCIONAL O §3º. ART.78, DA CONSTITUIÇÃO PARANAENSE QUE AUTORIZA O TRIBUNAL DE CONTAS A APRECIAR RECURSO FISCAL.

A decisão da última instância do Secretário da Fazenda, proferida no Processo Administrativo Fiscal, quando favorável ao contribuinte está sujeita à apreciação do Tribunal de Contas do Estado, conforme estabelecido ou permitido ou o dispositivo que é usado:

“§ 3º As decisões adotadas pela última instância, contrárias ao erário, serão apreciadas pelo Tribunal de Contas em grau de recurso”.

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Paraná, pelo seu Órgão Especial, entendeu por unanimidade, que o § 3º, do art. 78, da Constituição do Estado do Paraná, por atribuir competência ao Tribunal de Contas do Estado que exorbite o modelo federal e atual ou o princípio da cobrança de poderes, é uma manifestação inconstitucional, seguindo o seguinte:

“Ementa: mandado de segurança -ilegitimidade passiva - autoridades responsáveis pelo ato - controle incidental (ou concreto) de constitucionalidade via mandado de segurança - admissibilidade - necessária obediência à clausula de reserva de plenário (art. 97, da constituição federal) - decisões proferidas pelo tribunal de contas do estado, com base no art. 78, § 3º, da Constituição do Estado do Paraná - exercício de atribuição revisional sobre decisões proferidas por órgão do poder executivo estadual em processo administrativo visando a apreciação de impugnação fiscal -modelo federal de respeito obrigatório (art. 75, da constituição federal) excedido - afronta à separação de poderes - ato fundado em norma inconstitucional - ilegalidade caracterizada - concessão da ordem. 1. Detém legitimidade passiva para figurar em mandado se segurança tanto a autoridade que pratica o ato impugnado quanto a que ordena a sua execução. 2. É admissível o controle incidental (ou concreto) de constitucionalidade por meio de mandado se segurança. 3. A declaração incidental de inconstitucionalidade realizada pelos Tribunais exige o atendimento à cláusula de reserva de plenário (art. 97, da Constituição Federal). 4. Os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios estão sujeitos, em matéria de organização, composição e atribuições fiscalizatórias de seus Tribunais de Contas, ao modelo jurídico estabelecido na Constituição Federal, nos estritos termos do art. 75, da Constituição Federal. 5. A competência do Tribunal de Contas do Estado, limita-se ao comando do art. 71, da Constituição da República. 6. O § 3º, do art. 78, da Constituição do Estado do Paraná, por atribuir competência ao Tribunal de Contas do Estado que exorbita o modelo federal e ofende o princípio da separação de poderes, é de manifesta inconstitucionalidade. 7. Caracteriza-se como ilegal, e passível de ser impugnado via mandado de segurança, o ato contrário à lei ou, ainda que conforme a lei, mas contrário à Constituição Federal.”

Também em outro Mandado de Segurança, preventivo, o Tribunal de Justiça manteve o mesmo entendimento, concedendo liminar para que o Tribunal de Contas do Estado se abstivesse, até decisão final, de processar o recurso de oficio do Secretário da Fazenda, que manteve julgamento do Conselho de Contribuintes favorável ao Sujeito Passivo.

A matéria não é nova. No primeiro governo do Governador Roberto Requião (1991), a Procuradoria Geral do Estado interpôs junto ao Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 523, distribuída inicialmente para o Ministro Célio Bojas e posteriormente para os Ministros Francisco Rezek e Nelson Jobim, estando os autos conclusos com o Ministro Eros Grau desde 09.06.06, com parecer da PGR pela concessão do pedido, tendo inclusive o Estado do Paraná, por petição, reiterado seu desejo de ver julgada a ação.

O entendimento pacificado pelo Tribunal Estadual tem como fundamento que a competência fiscalizatória do Tribunal de Contas encontra-se alinhada na Constituição Federal que disciplina o Tribunal de Contas da União, que não acolhe a revisão de ato do Secretario da Fazenda em matéria tributária.

O Ministério Público de Contas do Estado do Paraná, também já teve a oportunidade de manifestar-se pelo não conhecimento do recurso de oficio do Secretário da Fazenda, conforme Pareceres nºs. 2067/04 e 8837/04, argumentando, além, da desobediência da simetria com o órgão federal, ofensa ao princípio da igualdade em razão de ser vedado o mesmo direito ao contribuinte, entendendo também que o lançamento é de competência exclusiva do Poder Executivo, através da autoridade lançadora, nos termos do art. 142 do CTN, e que havendo participação do tribunal na revisão do processo torna o mesmo partícipe do lançamento fiscal que é atividade plenamente vinculada a outro poder.

Este entendimento de inconstitucionalidade do dispositivo mencionado nos pareceres, também é da Procuradoria Geral do Estado, tendo inclusive a época de interposição do ADIN, como argumento, entre outros: “o que não pode ser admitido, na defesa Federal, na defesa O Estado de Direito Democrático é o órgão auxiliar do Poder Judiciário que pode estar sujeito à condição hierárquica superior do Poder Executivo ”.

O interesse do Executivo em julgar o ADIN é um fato inconteste, pois, como mencionado, recentemente foi reiterado após a Corte Suprema de Julgamento da Lide.

A revisão do recurso de ofício do Secretário da Fazenda pelo Tribunal de Contas é uma situação anômala que encontra apenas no Estado do Paraná, como muitas unidades de federação que não aceitam o recurso de espécies, incluindo algumas que limitam a avaliação ou o teste dos seus Conselhos de Contribuintes como decisão definitiva na esfera administrativa, valorizando os Colegiados, que ao final, para esse fim foram criados.

Por Gerson Tarosso,  Advogado, Sócio do Escritório Tarosso Advogados Associados, Conselheiro e Ex-Presidente do Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais do Estado do Paraná, Ex Auditor Fiscal e Delegado da Receita Estadual, Membro do Instituto de Direito Tributário (IDT-PR) .


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